PROJETO DE LEI Nº 19.694/2011
Autoriza o Poder Executivo Estadual a realizar, gratuitamente, cirurgia plástica reparadora de sequelas em mulheres vítimas de violência e adota outras providências
A ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA
DECRETA:
Art. 1º - Fica autorizado o Poder Executivo a realizar, gratuitamente, cirurgias plásticas reparadoras de sequelas em mulheres vítimas de violência sexual, no trabalho, familiar ou doméstica, no âmbito do Estado da Bahia.
Parágrafo único. Para efeito do disposto no caput, o Poder Executivo arcará com os custos totais das cirurgias, bem como com toda a medicação, exames e tratamentos necessários antes e após os procedimentos cirúrgicos.
Art. 2º - O benefício será concedido para casos de violência configurada por constrangimento registrado em boletim de ocorrência e laudo do exame de corpo de delito do Instituto Médico Legal que constatou a violência sofrida, e laudo médico que determine a reparação da área a ser submetida à cirurgia plástica.
Art. 3º - As eventuais despesas decorrentes da aplicação desta Lei correrão à conta de dotações orçamentárias da Secretaria de Estado da Saúde, consignadas no orçamento vigente, e suplementadas se necessário.
Art. 4º - O Poder Executivo regulamentará esta Lei no prazo de noventa dias, contados a partir da data de sua publicação.
Art. 5º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.
Sala das Sessões, 26 de dezembro de 2011
Deputada Ivana Bastos
JUSTIFICATIVA
A cada 15 segundos uma mulher é espancada no Brasil. Este dado preocupante é resultado de uma pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abraão, de São Paulo. Já a Central Nacional de Atendimento à Mulher (180) registra cerca de 20 mil denúncias válidas ao mês, sendo 60% casos de violência doméstica, e que uma em cada cinco faltas de mulheres no trabalho está relacionada à violência doméstica e familiar.
Na Bahia, a situação não é melhor. Só em 2007, a Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam) registrou mais de nove mil ocorrências policiais. Em 2006, foram 2.137 casos. A lesão corporal é a situação que mais preocupa. Grande parte da lesão corporal é proveniente da violência doméstica, que chega a 90% dos casos. O local preferido dos agressores é a face. Depois, os seios, as nádegas, as costas e os braços. E em média, elas levam de 9 a 10 anos para denunciar seu agressor, ou seja, elas passam anos sendo vítimas de pessoas próximas como maridos, noivos e namorados, com medo.
A Bahia também já é o segundo estado que mais denuncia a violência contra a mulher no Brasil, perdendo apenas para o estado de São Paulo. De acordo com os dados divulgados pela DPE, 38,17% das mulheres agredidas se encontram em fase produtiva, em que poderiam estar trabalhando e possuem entre 31 a 40 anos. Segundo dados da DEAM (Delegacia Especial de Atendimento à Mulher) só no primeiro mês de 2011 foram registrados 733 ocorrências policiais relativas à crimes praticados contra a mulher, isso significa que 22 mulheres, em média, são agredidas diariamente. O que abrange desde ameaças até lesões corporais, espancamentos e estupros. Dado considerado alarmante segundo os órgãos de segurança pública e saúde.
A violência contra a mulher em Salvador está ligada de forma espantosa com a questão da etnia. Segundo o PNAD/2007 - Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios -, as mulheres representam 52,4% da população da Região Metropolitana de Salvador (RMS). Dentre estas, aproximadamente 81,9% são negras e pardas. Aplicando esses percentuais, pertinentes à RMS, para a população estimada do Município de Salvador, temos atualmente 1.545.137 mulheres residentes em Salvador, das quais cerca de 1.273.193 são negras ou pardas. E as maiores vítimas desse tipo de agressão são essas mulheres.
O estado da Bahia também conta com 14 delegacias especiais de atendimento à mulher. As unidades oferecem serviços policiais, registro, apuração e investigação de ocorrências, além de acolhimento e orientação, para as vítimas de violência.
Nosso projeto se soma aos de outras colegas, como das deputadas Cláudia Oliveira e Angela Souza, que buscam proteção assemelhada, e creio que as iniciativas se integram e se completam na busca de uma ação pública reparatória em favor da mulher vítima de violência. Em nosso projeto válido observar que especificamos tanto o âmbito da violência familiar, de modo triste ainda forte e presente no componente da violência contra a mulher, como de forma inédita, o detalhe da reparação à mulher agredida no ambiente de trabalho, em atenção principalmente a nossas camponesas e trabalhadoras rurais.
Também temos ciência que a Comissão de Assuntos Sociais do Senado (CAS) aprovou um projetos de lei, em decisão terminativa, que autoriza o encaminhamento direto à Câmara dos Deputados, sem a necessidade de serem votados no plenário da Casa, proposta de iniciativa do senador Gim Argello (PTB-DF), e que inclui as cirurgias plásticas corretivas ou reparadoras entre os procedimentos terapêuticos que deverão ser prestados pelo Serviço Único de Saúde (SUS).
Mas ainda assim pode ficar a dúvida sobre a competência concorrente da União para impor tal obrigação ao estado, sendo válidas, em nosso entendimento, medidas de lei no âmbito de nosso escopo normativo próprio, estadual, assegurando o benefício.
Em recente artigo, a Profa. Dra. Cecilia M. B. Sardenberg, do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre a Mulher - NEIM, da Universidade Federal da Bahia - UFBA, nos traz ainda uma narrativa consistente sobre o tema da violência de gênero, que adicionamos a esta justificativa:
"Na verdade, uma de nossas maiores preocupações era (e ainda é) o enfrentamento à violência de gênero contra as mulheres, particularmente a violência simbólica de gênero, que se infiltra por todo a nossa cultura, legitimando os outros tipos de violência. Por "violência de gênero", refiro-me a toda e qualquer forma de agressão ou constrangimento físico, moral, psicológico, emocional, institucional, cultural ou patrimonial, que tenha por base a organização social dos sexos e que seja impetrada contra determinados indivíduos, explícita ou implicitamente, devido à sua condição de sexo ou orientação sexual. Isso implica dizer que tanto homens quanto mulheres, independente de sua preferência sexual, podem ser alvos da violência de gênero. Contudo, em virtude da ordem de gênero patriarcal, 'machista', dominante em nossa sociedade, são, porém, as mulheres e, em menor número, os homossexuais, que se vêem mais comumente na situação de objetos/vítimas desse tipo de violência."
A proposição ora em tela busca ainda efetivar o direito constitucional previsto no art. 281 de nossa Carta Estadual, assim transcrito: "É responsabilidade do Estado estabelecer política de combate e prevenção à violência contra a mulher, que incluirá os seguintes mecanismos:
...II - criação e manutenção, por administração direta ou através de convênios, de serviços de assistência jurídica, médica, social e psicológica às mulheres vítimas de violência." ( grifos nossos).
Face ao exposto, esperamos ter robustecido a relevância da matéria objeto da presente proposição, sua constitucionalidade, razão pela qual esperamos a aprovação da presente proposta pelos nobres pares desta Casa Legislativa.